Lá pras bandas do Viverzão, o povo andava falando de um tal de Halloween. É um negócio meio novo, que veio de importação parece. É que lá eles tem aula de inglês, sabe?
Uma gente muito chique.
Aqui pra esse nosso lado, essa moda não veio chegar não senhor, não senhora. Aqui do lado de cá tem lama, tem terra, tem mato e tem bambuzal. Ahhh tem muito bambuzal sim.
E todo mundo sabe que onde tem bambuzal, tem SACY.
De modos que, quando as crianças vieram com essa conversa de zumbi, caveira e morto vivo, avisamos logo para eles que era melhor se preocupar com um diacho de um menino esperto que só, que também estava de dia comemorativo e que se soubesse que a gente estava falando nele capaz até de aparecer pra traquinar a nossa vida.
E como criança é um bicho curioso que só eles, em vez de deixar quieto, como era de bom tom, quiseram saber mais sobre o Sacy.
Foi então que sentamos em roda e contamos um pouco sobre a história do Sacy. Sabe como é crendice popular né? Cada um tem a sua. A Tita tem história de boca contada lá da roça de perto do Rio. A Con ouvia a vó contar quando era criança. O João tinha lido um livro que ensinava a caçar Sacy e na escola tem um outro tanto de livros que contam essa história. Cada qual do seu jeito.
Ah mas pra quê? Essas criança tudo saíram doida pra caçar sacy. A gente bem que tentou avisar que era pra falar baixo.
Que se o Sacy escuta, aí mesmo que ele vem aprontar com a gente. Diz a lenda que o Sacy não faz malvadeza grande, mas não tem peraltice, zombaria nem troça miúda que ele não faça. Troca o açúcar com sal, azeda o leite, rouba ovo de galinha, muda tudo de lugar, deixa a gente maluca!!
Nesse dia da roda, que era o primeiro dia da semana, O João inventou uma vara de pescar Sacy. Eu mesma não achei que ele ia conseguir nada, nunca vi caçar Sacy com vara…
Usaram de isca uma touquinha que fizeram na aula de argila, com a Roberta.
E juntou com mais meia dúzia de criança e lá foram elas, caçar o tal do sacy. Jogaram a linha pro outro lado do muro e eu juro para vocês que bem nessa hora se ouviu um assobio forte.
Minha gente, se eu não tivesse junto e tivesse visto, eu não acreditava. Mas não é que o Sacy mordeu a isca e levou embora??? O danado conseguiu fugir, mas na atrapalhação do momento deve ter se descuidado e foi aí que a gente achou, dentro do túnel, a touca vermelha do sacy!!!!
Ah pronto!!! Agora que esse sacy não deixa a gente em paz mesmo. Todo mundo sabe que o sacy vai atrás da touca! Precisamos capturar esse danado.
No dia seguinte, chegamos na escola e vocês vão cair pra trás quando eu contar o que sucedeu: As professoras estavam conversando na cozinha, quando ouviram um barulho e a campainha. A Con foi abrir o portão para a criança que estava chegando e quase caiu pra trás! As mesas do barracão todas de cabeça pra baixo, cadeiras jogadas, reviradas, um fuzuê só!!!
Esse sacy não está feliz sem a touca dele não…
Além de continuar nossos planos de caça ao sacy (agora em voz baixa), resolvemos montar um mural com um sacy de cada um, pra ver se a gente agradava ele e se aprendia mais sobre esse menino, que a Juju disse que nasce do sétimo gomo do bambu no bambuzal.
As crianças também descobriram que quando um sacy morre ele vira cogumelo.
Vimos um vídeo do Sítio do Picapau amarelo e aprendemos mais um tanto.
Que tem uma porção de sacys no mundo, que eles fumam cachimbo, pulam numa perna só ou andam dentro do redemoinho de vento. Por isso quando o vento estiver levantando folhas e rodando, pode ter certeza que é o sacy que está por perto.
Vimos que cipó embolado e passarinhos cantando são sinal de sacy (e nossa, como os passarinhos cantaram essa semana!).
E mais importante: aprendemos que pra caçar Sacy precisa de uma peneira, de uma garrafa de vidro tampada com rolha e selada com uma cruz desenhada.
Nesse dia, João quis levar o gorro do sacy pra casa..
Voltou no dia seguinte, contando que a água de casa estava salgada, a salada estragou e que bateram na porta dele várias vezes e não era ninguém!!!
Na quarta era o dia oficial do Halloween e a gente aproveitou para se pintar e fazer festa. Resolvemos ignorar que o sacy andava rondando pra ver se ele se tocava. E até que deu certo. Com exceção de algumas garrafinhas que apareciam em lugares estranhos, mochilas trocadas e assobios estranhos ( que a essa altura a gente já estava ficando acostumado), foi um dia tranquilo.
Dessa vez a touca do sacy ficou com a professora, porque ficamos com medo de o Sacy aprontar de novo com alguma criança.
Pobre professora. Acordou atrasada pro trabalho e descobriu que a casa estava de pernas pro ar! Uma bagunça que só!!! E o café cheeeeio de sal!!!
Ah gente, assim não dá! Vamos ter que tomar uma providência!
Montamos uma armadilha com a touca do sacy: depois de pensar como poderíamos fazer, penduramos a touca debaixo de uma peneira, com um nó bem frouxo: se o Sacy pegasse a touca era certo que a peneira caia em cima dele. e por baixo desenhamos vários x. Pela escola também. Todo o cuidado é pouco, lidando com um sacy.
Minha gente boa desse Brasil, eu estava lá, então não posso dizer que é mentira. Perguntem também para as crianças: na hora em que montamos a armadilha começou uma ventania que levantou tudo quanto é folha!! E uma ventania que ficou até a hora de ir embora!! Levantou tapetes, jogou terra tudo pra cima da gente!!! Sacy bravo não é brincadeira!!
Fomos embora, esperando que no dia seguinte, ia ter sacy na armadilha! E se não tivesse, ah, se não tivesse a gente ia atrás dele no Bambuzal!!!
Chegou o grande dia! Era sexta feira e esse sacy ia ver só uma coisa!
Chegamos na escola e pra nossa decepção, nada de Sacy na armadilha. A touca estava lá, nada tinha acontecido.
Mas muitas crianças trouxeram garrafas de vidro com rolha e a gente tinha as nossas peneiras e estava pronto para a briga!!
Fizemos pipoca de culinária, pra atrair o Sacy e separamos um pouco para levar.
Na hora do lanche, uma surpresa!!! O gorrinho tinha desaparecido!! E mais!!! A banana de algumas crianças estava cheia de sal!!
Ah, foi a gota d’água!!! Esse sacy estava mangando de nóis e não perdia por esperar!!
Botamos nossa galocha, pegamos nossas peneiras, garrafa e pipoca e saímos a caça de Sacy
Nosso sítio tem dois grandes bambuzais. Por isso fizemos um plano: primeiro fomos montar nossas armadilhas no Bambuzal mais perto da escola.
Deixamos nossas armadilhas montadas, com as garrafas embaixo das peneiras presas por um graveto, como uma arapuca.
Depois fomos para o segundo Bambuzal. Nosso plano era fazer tanto barulho no segundo bambuzal que todos os sacys iam correr para o primeiro e não era possivel que algum não ficasse preso em uma das nossas arapucas.
Depois de espantar todos os Sacys (ficou um baita silêncio depois da gritaria. E olha que os passarinhos estavam cantando muito, por isso a gente sabia que tinha dado certo) andamos de volta ao Bambuzal onde estavam as armadilhas.
A gente não queria correr, a gente tinha que tomar cuidado.
Mas não deu. Era muita emoção. E ansiedade. E vontade de saber.
E daí a gente chegou.
E eu juro que o que a gente viu nunca nenhuma turma de criança de escola no mundo viu.
nossas arapucas estavam derrubadas. Nossas garrafas tampadas com a rolha.
e dentro de cada garrafa um gorrinho de sacy.
Não contei pra vocês? Uma das espertezas do sacy é ficar invisível dentro da garrafa pra você achar que não pegou nada e soltar ele. Mas o gorrinho, ah, esse ele não conseguiu disfarçar!
Então minha gente, VITÒRIA!!!
E se vocês estão duvidando, saibam que deste dia em diante nossa escola ficou em paz. Sem ventos estranhos, sem trocas de mochilas, sem mesas reviradas e essas traquinagens de menino sacy. A única sacyzagem que ocorreu foi na casa da Mariá, que parece que o Sacy trocou tudo de lugar. Até chinelo pendurado no lugar do quadro teve. Mas foi porque ela deixou a rolha sair da garrafa. E com Sacy não se brinca meu povo!
E essa história entrou por uma porta e saiu pela outra.
E quem um dia cruzar o caminho do sacy,
que conte outra.
nayara
26 mar 2023Marina, só vimos o texto hoje mas adoramos relembrar a caça ao saci. Obrigada pelo registro.
Beijo!